29.4.12

Desperdício


para que serve este espaço tão grande
esta cama gigante
se para dois amantes
o lugar de um corpo é o bastante?

27.4.12

que a cadência de sua respiração seja o meu embalar
e o pulsar do meu coração, sua canção de ninar

26.4.12

Carta Para Um Amigo

não sei o nome desse espinho atravessado em sua garganta, desse mal que o aflige e machuca tanto. provavelmente uma história de amor mal resolvida, um ponto final do qual ainda não está curado. se for isso, é como você mesmo disse: "a gente sobrevive". e eu completo: sim, sobrevivemos - porque não há atestado de óbito onde amor seja considerado a causa mortis.

"mas a angústia por perceber tanta vida passando é extremamente intensa, presente e dolorosa." um conselho, meu querido: dê um jeito de sufocá-la, porque não há angústia que seja digna de devorar nossa saúde. não deixe a vida passar em branco - busque um norte, um nexo, um por quem, um porquê, um por qualquer coisa - finca o teu remo na água e rema, rema e acredite. um dia a tempestade cessa e o barquinho ancora num porto seguro.

fique bem. fique em paz.

(Ouça: Jorge Drexler, "Al Otro Lado del Rio")

24.4.12

Colecionando Decepções

  1. decepção é descobrir que sua professora do 1º ano não é um ser diferente dos demais: ela tem filhos, casa, contas para pagar e uma série de defeitos e problemas que vão além do que você pode imaginar aos 6 ou 7 anos de idade;
  2. decepção é constatar que seu melhor amigo não é tão amigo quanto acreditava: muitos dos seus segredos foram compartilhados com outro alguém;
  3. decepção é concluir que seus pais não são super heróis, mas pessoas que fazem de tudo (com as melhores das intenções) para lhe passar essa impressão;
  4. decepção é estudar para uma prova e não tirar uma nota à altura de seu esforço e expectativa;
  5. decepção é perceber que seu primeiro amor, assim como na maioria dos casos, não passará de um sentimento platônico;
  6. decepção é crescer e conhecer o mundo sem o véu da inocência;
  7. decepção é ver toda confiança e admiração por alguém cair por terra, ao descobrir que o que falava não era bem verdade e o que fazia não era bem o que defendia;
  8. decepção é olhar para si mesmo e ver que, embora considere-se uma pessoa inteligente e esclarecida, não conseguiu ser nada disso quando deveria ter sido ao menos esperta;
  9. decepção é sair do útero de sua mãe e explodir em choro porque, assustado, inseguro e sem fazer a mínima ideia do que está acontecendo, é recepcionado por um mundo frio e colocado de cabeça para baixo pelas mãos emborrachadas daquele sujeito estranho que lhe trouxe à luz;
  10. decepção é saber que vai viver 60, 70 ou 120 anos decepcionando-se. isso mesmo, DECEPCIONANDO-SE: com as pessoas, você mesmo, as circunstâncias, a vida.

20.4.12

Passatempo

passa a hora, o dia, o tempo.
passa o pássaro rompendo o vento.

passa o dia, o mês, o tempo.
passa o velhinho perdido em pensamentos.

passa o mês, o ano, o tempo.
passa a menina e seu catavento.

passam todos, passa tudo. passa inclusive o tempo.
passa o menino na bicicleta pelo acostamento.

passam caminhos, estradas, veredas. passa o tempo.
passa o mendigo carregando lamentos. 

passa a vida grávida, repleta de contentamento.
e vai parindo pela senda os seus rebentos:
pedras, plumas, dores e alentos.

passa um filme diante dos olhos atentos.
passatempo.

[imagem: Robert Doisneau - "Le remorqueur du Champs de Mars", Paris, 1943]

19.4.12

Vivendo e Aprendendo (Continuamente)

aprendi que o respeito pelo ser humano, animais e natureza deve ser algo indiscutível; que todo ser que respira deve ser tratado como prioridade diante de todas as outras coisas.
aprendi que se alguém nos ofende, devemos perdoar. sete vezes? não, setenta vezes sete - e esse número é simbólico - no popular, devemos perdoar quantas vezes forem necessárias. e quer saber por quê?  porque o perdão não faz bem só para aquele que recebe, mas principalmente para aquele que oferece. aqueles que não guardam mágoa nem rancor são seres mais saudáveis, mais leves e dormem o sono dos justos. 
aprendi que em certos momentos da vida vamos nos decepcionar com algumas pessoas, e serão justamente aquelas que mais amamos e admiramos que farão isso.
aprendi que não nascemos para viver sozinhos, que solidão não faz bem, mas também que somos indivíduos com características particulares - aceitar e respeitar isso, nos outros e em nós mesmos, é meio caminho andado para o sucesso de qualquer convivência.
aprendi que não somos donos da razão, que devemos defender nosso ponto de vista sem jamais tentar impô-lo; que nem sempre as palavras convencem - e nessa hora as atitudes precisam tomar frente e mostrar seu poder.
aprendi que educação não é só uma questão de berço, que inteligência não é o mesmo que sabedoria e ignorância nem sempre é curada no banco de uma universidade. 
aprendi que humildade é sinônimo de grandeza; que sorriso, abraço e palavra amiga são remédios gratuitos e muitas vezes infalíveis. 
aprendi também que esse ser, o tal de humano, é capaz de conquistar cada vez mais diplomas e títulos, encurtar distâncias geográficas, vencer barreiras científicas; mas, por outro lado, torna-se cada vez mais incapaz de estreitar relações pessoais, de viver o amor em sua essência, de expor-se sem medo do ridículo. por querer o prazer dos feitos grandiosos, das buscas mirabolantes, das conquistas intermináveis, esquece, tantas vezes, que essas coisas podem ser bem menos importantes do que aquelas que passam despercebidas por estarem vestidas de simplicidade.

13.4.12

Partida



levantou, beijou-lhe a fronte. 
contemplou seu sono. era noite.

acordou, tocou o vazio.
contemplou o nada. era madrugada.

ele se foi. partiu.
ela ficou. partida.

12.4.12

Ponto de Vista

o que os olhos viam como capim,
o coração enxergava como jardim.
.
.

11.4.12

Desculpe a Honestidade

não sei seguir só a razão, viver sem emoção, agir sem coração.
desconheço meias entregas, meias palavras, meias verdades
não sei ser pela metade.
não aprendi representar, não sei como atuar, bancar o personagem
não sei ser somente imagem.
fantasias não me caem bem, não sei ser um outro alguém.
não sei me dar sem intensidade, mergulhar sem profundidade.
não sei viver na superfície, eu preciso de raízes.
desculpa-me a honestidade, 
mas confesso minha incapacidade:
não sei ser pela metade.