26.9.11

Naufrágio


tanto amor, tanto desejo. dois corações batendo na mesma cadência. caminhavam lado a lado, respiravam o mesmo ar. sonhavam os mesmos sonhos, teciam os mesmos planos. as bocas já não falavam, sussurravam. os olhos brilhavam como estrelas numa noite quente. de tanta cumplicidade, fundiam-se num único ser. um não era sem o outro.
as pedras rolavam e as águas moviam-se. a vida seguia costurando os dias. mas, sem se darem conta, perdiam o rumo. pouco a pouco, afastavam-se do porto. a chama se apagava, os corpos se repeliam. o silêncio era o diálogo que agora mantinham. o dia tornou-se noite e a noite um martírio. e era tanto vazio que já não se preenchiam - tornavam-se estranhos compartilhando o mesmo ninho. no fardo dos desencontros, deixavam de ser um. multiplicavam-se em amarguras, afogavam-se na rotina.

23.9.11

Eu  quero  MAIS,

                                                                                                             muito mais

                        que apenas   o  respirar

                                                         e  o  pulsar  do  coração.


21.9.11

Completa Insensatez

saudade nos move para trás e traz o antes para frente. é sentimento  traiçoeiro, confunde o coração da gente, camufla sensações - até parece que deixa contente. a verdade é que saudade faz doer. é sentimento atado, tolhido, incrustado no que passou. saudade é o nunca mais insistindo em ser de novo. saudade é ilusão, dia nublado, filme  de  imagens turvas, fotografia manchada. saudade é nostalgia, viagem do pensamento, desejo de voltar num tempo que só existe por dentro. saudade é história, retalhos de  coisas passadas, museu construído na alma. saudade é embriaguez, uma espécie de loucura, completa insensatez.




"nunca voltes ao lugar
onde já foste feliz
por muito que o coração diga
não faças o que ele diz"

|As Regras da Sensatez - Carlos Tê / Rui Veloso|

13.9.11

Observa

por que tanta maldade, amargura, aspereza?
olha pro lado, observa, vê quanta beleza!

a vida está repleta de cor, sabor, delicadeza.
observa, presta atenção, não endureça.

deixe o rancor, o egoísmo, a frieza.
abra seus olhos, braços, cabeça.

seja rápido, mude o curso, antes que adoeça.
olha para o lado, observa. vê quanta beleza!

11.9.11

Testemunha Ocular



ainda ardia em sua pele o toque daquelas mãos. tinha no semblante as marcas do que fora a noite anterior. entregara seu corpo à loucura, dormira um sono pesado nos braços de quem não merecia. pesado estava também seu coração, que carregava as consequências da (des)aventura.

debaixo de água quente mergulhou corpo e alma. lavou-se freneticamente, enxaguou-se em água corrente. queria apagar as digitais do episódio indigesto. daquela noite, não queria vestígios; daquela história não queria lembranças. mas ainda teria que matar à unha um último leão: voltaria à cena do (des)encontro. precisava resgatar um objeto de grande valor, a única testemunha - o colar - que assistira num canto, calado, o crime que ocorrera naquele quarto.

6.9.11

O Enxadrista


as peças são movimentadas no tabuleiro, deslocadas como melhor convém, entre as casas claras e as escuras (o que se vê, o que se oculta).

estrategicamente manipuladas - torres, dama, rei, bispos, cavalos e peões - atendem às necessidades do jogador, e tão somente dele. são peças, nada mais que isso. usáveis. usadas. sim, usadas no sentido mais amplo da palavra, num jogo onde não existe o elemento sorte.

ao redor do manipulador, acotovelam-se os sorridentes bajuladores. e são muitos. aplaudem o enxadrista em todas as suas jogadas. bravo! não importa  quem  é  a  peça da vez, o seu valor ou destino na brincadeira. dançam conforme a música. o que vale nesse círculo é o jogo de conveniências, a lisonja interesseira.

enfim, xeque-mate: o rei está morto. e como já se sabe, "rei morto, rei posto". viva o rei!