22.12.11

Feliz Vida Nova

esqueça o que passou, pois o que foi, era.
guarde apenas as boas recordações, mas não viva delas.
no livro da vida, escreva novas histórias.
abra as janelas da mente, observe a paisagem lá fora.
permita-se outras experiências, mas não perca sua essência.
diga 'sim' quando achar que tem que ser assim.
diga 'não' quando estiver em desacordo com a situação.
plante amor, alegria, paz e gentileza.
colha os frutos dessas sementes de delicadeza.
o que passou, foi. é ido. já era.
horas, dias, meses e anos caminham sempre para frente.
e o desconhecido, por mais que nos inquiete, 
é combustível para todas as descobertas.
transponha o véu que o separa do novo.
a vida continua e as páginas que seguem estão em branco.
pinte o sete, um quadro, a cara.
busque o que almeja. sê o que deseja.

16.12.11

Dissonância

ele__com as mais belas palavras, disse-lhe coisas terríveis. apunhalou-lhe a alma, perfurou-lhe o ser. foi cruel, avassalador. encheu-lhe o coração de horror. deu-lhe as costas, passos firmes. diante da porta, voltou-se pela última vez. suplicante, como se ainda tivesse o direito, pediu-lhe: não chore, por favor.

ela__engoliu palavra por palavra, registrou cada gesto seu. por dentro, veneno rompendo-lhe as entranhas. vida em retrospectiva. alegria triturada, transformada em farelo. palavra nenhuma saiu-lhe da boca, faltou-lhe ar e vocabulário. olhos secos como deserto, coração trincado como o chão do sertão. como expressar tanta dor? o silêncio melhor falou.

ele__sentiu-se péssimo por causar-lhe tamanha tristeza. mas não tinha saída, já que o amor esfriou. traçou novos caminhos, do peso se livrou. dela? nunca, nunca mais se lembrou.

ela__pior que a tristeza, foi o vazio que depois se instalou. pois aquela ainda é sentimento, mas este, um vale desprovido de vida: nada de alegria ou dor. ele? nunca, nunca ela perdoou.

25.11.11

Tempestade

                                     choro, desfaço-me em lágrima.
                                   sou mar. água salgada.

Calmaria


                                    rio, transbordo de rir.
   
               desaguo em mar. sou oceano
   
                                                                                      eu não caibo em mim.

17.11.11

Sobre a Verdade


se despíssemos as palavras das vestes da metáfora e disséssemos explicitamente o que elas representam, certamente causaríamos alvoroço, constrangimento em alguns ambientes. porque verdade é nudez de atitudes, transparência do mais íntimo ser.

se colocássemos a verdade nua e crua sobre pratos limpos e servíssemos em banquete, muitos declinariam o convite. porque verdade sem adorno é prato indigesto, pesado para muita gente.

se falássemos a verdade sobre tudo o que pensamos e sentimos - a despeito das consequências - seríamos temidos e ganharíamos uma porção de inimigos. porque a verdade é avessa à tapinhas nas costas, sorrisos convenientes. é senhora de poucos e seletíssimos entes.

|La Naissance de Vénus, 1879, de William-Adolphe Bouguereau - Musée d'Orsay, Paris|

10.11.11

Submissão


por noites a fio velou seu sono. em outras, acompanhou a insônia. amparou seus relatos: segredos confiados às folhas virtuais, manuscritos. sobre si pesaram as histórias dos livros e as notícias das revistas dela. também as lágrimas escondidas em lenços de papel. elegante, em riste, calado - assim esteve o tempo todo à esquerda, bem próximo do coração dela. o dia amanhecera triste, a chuva molhava o vidro da janela. desnudo de seus pertences, assistia silente sua partida. obediente, permaneceu ali, inerte. caminhar, além do dela, somente o das horas no relógio esquecido sobre si. seu papel sempre fora amparar objetos: luminária, fotos, remédios. portanto, submisso, o criado - e mudo que era - nunca se fez ouvir; mas naquele momento, tudo o que mais queria era correr sobre suas pernas e confidenciar-lhe o quanto gostaria de partir com ela.

31.10.11

Dia D(rummond)

                                |Copacabana, Rio de Janeiro, 2011|

o poeta de Itabira-MG completaria hoje 109 anos. Drummond despediu-se de nós, mas sua poesia, diferente da vida que é efêmera, permanecerá.


Os Ombros Suportam o Mundo 
Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram. 
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Resíduo
(...) Pois de tudo fica um pouco.
Fica um pouco de teu queixo
no queixo de tua filha.
De teu áspero silêncio
um pouco ficou, um pouco
nos muros zangados,
nas folhas, mudas, que sobem.
.
(...) E de tudo fica um pouco.
Oh abre os vidros de loção
e abafa
o insuportável mau cheiro da memória.

        

|31/10/1902 - 17/08/1987|

27.10.11

Predicativo do Sujeito




sou aquilo que vejo, que ouço. sou o que penso, o que falo, o que sussurro ou calo. aroma e perfume. eu sou essência. sou a vida que exalo, que salta pelos poros. sou lenda, sou miragem. sou longa metragem. história em construção. sou mar e embarcação. passado, presente e o que há de vir. sou o que escolho e o que não tenho opção. sou o solo onde piso, os caminhos que cruzo. perco-me onde me encontro, misturo-me ao que me encanta. sou sempre mais que eu. sou duas, três ou cem. eu sou plural. vento, tempestade, bonança e calmaria. sou flor e seus espinhos. dimensão e volume. eu sou esfera. não tenho ponto de partida ou destino definido. talvez eu seja até o infinito.

20.10.11

A (in) Sustentável Leveza do Ser


o que me rasga os lábios nos melhores sorrisos? o que me eleva ao céu, põe-me sentada sobre as nuvens? o que é isso, que de tão bom, tem o poder de me fazer levitar? 

o que me faz triste, faz-me desacreditar? o que me põe pra baixo, acorrenta-me ao chão? o que é isso, que como um fardo, pesa sobre minha cabeça?

o filósofo Parmênides (cerca de 530 a.C. - 460 a.C.) comparava as qualidades umas com as outras - o frio era a ausência de calor; as trevas, ausência de luz; o peso, ausência de leveza. desta forma, concluia que a segunda nada mais era do que a negação da primeira e, portanto, nosso mundo era dividido em duas esferas: a das qualidades positivas e a das qualidades negativas. 

com base nessa filosofia, respondo as questões que coloquei acima: o que me deixa para baixo são os agentes oportunistas que entram em minha vida através das lacunas deixadas por descuido. em contrapartida, o que me eleva o espírito são as pessoas queridas, momentos especiais, valores sem os quais não faria sentido viver; e estes podem ser traduzidos como luz, leveza, calor - são os itens que fazem parte da esfera boa, das qualidades positivas mencionadas por Parmênides.

cabe a mim filtrar esses itens, separar o joio do trigo. fica o que é bom, o que passa pela peneira, o que sobra é resto, bagagem desnecessária, peso que me impede de alçar voo.



de forma alegre/descontraída, este vídeo traduz um pouco do que significa a palavra leveza (para melhor assistí-lo, pare a reprodução das músicas na coluna ao lado).

7.10.11

Déjeuner du Matin |Jacques Prévert|

3.10.11

Só o Tempo


com o passar do tempo, a gente se pega sorrindo. rindo. debochando da gente mesmo. porque a dor só é dor enquanto está aberta, exposta em ferida. depois que passa, passou. o tempo cura, resolve, extingue - é remédio cicatrizador.

com o passar do tempo, a gente vê melhor. enxerga o mal como ele é, não tem medo de chamá-lo pelo nome. porque a dor só é dor enquanto estamos cegos. depois que passa, passou. o tempo é como chuva, enxurrada, torrente de água - é colírio em grande quantidade.

com o passar do tempo, a alma vira jardim. torna-se colorida, desabrocha em flor. porque a dor só é dor enquanto a vida está sem cor. depois que passa, passou. o tempo é como adubo, fertilizante. é pássaro que espalha alegria - semente que onde cai germina. 
     

26.9.11

Naufrágio


tanto amor, tanto desejo. dois corações batendo na mesma cadência. caminhavam lado a lado, respiravam o mesmo ar. sonhavam os mesmos sonhos, teciam os mesmos planos. as bocas já não falavam, sussurravam. os olhos brilhavam como estrelas numa noite quente. de tanta cumplicidade, fundiam-se num único ser. um não era sem o outro.
as pedras rolavam e as águas moviam-se. a vida seguia costurando os dias. mas, sem se darem conta, perdiam o rumo. pouco a pouco, afastavam-se do porto. a chama se apagava, os corpos se repeliam. o silêncio era o diálogo que agora mantinham. o dia tornou-se noite e a noite um martírio. e era tanto vazio que já não se preenchiam - tornavam-se estranhos compartilhando o mesmo ninho. no fardo dos desencontros, deixavam de ser um. multiplicavam-se em amarguras, afogavam-se na rotina.

23.9.11

Eu  quero  MAIS,

                                                                                                             muito mais

                        que apenas   o  respirar

                                                         e  o  pulsar  do  coração.


21.9.11

Completa Insensatez

saudade nos move para trás e traz o antes para frente. é sentimento  traiçoeiro, confunde o coração da gente, camufla sensações - até parece que deixa contente. a verdade é que saudade faz doer. é sentimento atado, tolhido, incrustado no que passou. saudade é o nunca mais insistindo em ser de novo. saudade é ilusão, dia nublado, filme  de  imagens turvas, fotografia manchada. saudade é nostalgia, viagem do pensamento, desejo de voltar num tempo que só existe por dentro. saudade é história, retalhos de  coisas passadas, museu construído na alma. saudade é embriaguez, uma espécie de loucura, completa insensatez.




"nunca voltes ao lugar
onde já foste feliz
por muito que o coração diga
não faças o que ele diz"

|As Regras da Sensatez - Carlos Tê / Rui Veloso|

13.9.11

Observa

por que tanta maldade, amargura, aspereza?
olha pro lado, observa, vê quanta beleza!

a vida está repleta de cor, sabor, delicadeza.
observa, presta atenção, não endureça.

deixe o rancor, o egoísmo, a frieza.
abra seus olhos, braços, cabeça.

seja rápido, mude o curso, antes que adoeça.
olha para o lado, observa. vê quanta beleza!

11.9.11

Testemunha Ocular



ainda ardia em sua pele o toque daquelas mãos. tinha no semblante as marcas do que fora a noite anterior. entregara seu corpo à loucura, dormira um sono pesado nos braços de quem não merecia. pesado estava também seu coração, que carregava as consequências da (des)aventura.

debaixo de água quente mergulhou corpo e alma. lavou-se freneticamente, enxaguou-se em água corrente. queria apagar as digitais do episódio indigesto. daquela noite, não queria vestígios; daquela história não queria lembranças. mas ainda teria que matar à unha um último leão: voltaria à cena do (des)encontro. precisava resgatar um objeto de grande valor, a única testemunha - o colar - que assistira num canto, calado, o crime que ocorrera naquele quarto.

6.9.11

O Enxadrista


as peças são movimentadas no tabuleiro, deslocadas como melhor convém, entre as casas claras e as escuras (o que se vê, o que se oculta).

estrategicamente manipuladas - torres, dama, rei, bispos, cavalos e peões - atendem às necessidades do jogador, e tão somente dele. são peças, nada mais que isso. usáveis. usadas. sim, usadas no sentido mais amplo da palavra, num jogo onde não existe o elemento sorte.

ao redor do manipulador, acotovelam-se os sorridentes bajuladores. e são muitos. aplaudem o enxadrista em todas as suas jogadas. bravo! não importa  quem  é  a  peça da vez, o seu valor ou destino na brincadeira. dançam conforme a música. o que vale nesse círculo é o jogo de conveniências, a lisonja interesseira.

enfim, xeque-mate: o rei está morto. e como já se sabe, "rei morto, rei posto". viva o rei!

29.8.11

Meu Jardim

à frente da minha casa, mais precisamente do lado esquerdo, tem um jardim. ali, naquele cantinho conhecido por coração, há muitas flores de uma espécie abundante chamada "pessoas". queridas flores que ao longo da vida são plantadas, nunca colhidas.

há fases em que o jardim está repleto: familiares, amigos, amor. primavera em meu coração.

algumas dessas flores são consumidas por excesso de exposição  ao sol, tragadas por chuvas intensas, enfraquecidas por falta de nutrientes, sufocadas pela presença  de ervas daninhas. por isso, elas nunca estarão todas juntas - ao mesmo tempo -ocupando meu jardim. pela ordem natural da vida, nascerão, crescerão, morrerão. em épocas diferentes, em situações distintas. mas dentro de mim, jamais  partirão por completo. como todo bom perfume, volta e meia serão lembradas.

procuro, da melhor maneira possível, cuidar desse jardim, razão da minha existência. sem ele, coração, não existo; sem elas, as pessoas, não faço sentido. tento ser bom jardineiro, mas sei que  por excesso de zelo, ou falta dele, vez em quando deixo a desejar. peço, então, às minhas preciosas flores, que tenham paciência. sei o quanto são delicadas e minhas mãos tantas vezes pesadas.

26.8.11

Palco


PRIMEIRO ATO
tô doente da alma, moribundo do coração.
doendo da vida, crônico de solidão.

tô infeliz até os dentes, descontente com tanto não.
cabisbaixo, chutando lata, triste como um cão.

tô chorando todo engano, pranteando decepção.
transbordando oceano, inundado de desilusão.

(curvo-me aos aplausos. fecho a porta do camarim.
 dispo-me de quem sou, deixo tudo atrás de mim)

SEGUNDO ATO
(tô de volta à realidade.
 caprichei na maquiagem,
 vesti-me de personagem)

tô saudável, tô contente.
feliz da vida, sorridente.

19.8.11

Effeuiller la Marguerite


pobre margarida nas mãos da menina que brinca.
bem-me-quer, mal-me-quer.
desfaz-se ao chão, entregue à sua falta de sorte.
completamente despida, esfacelada,
ouve os passos da pequena que se afasta.
largada ao deus dará, assiste sua última pétala a rodopiar:
m a l - m e - q u e r 

16.8.11

Faxina

inspira, expira. distende o peito. olha para o passado. hoje é permitido, é dia de faxina. mude a ordem das prioridades, ajeite os novos propósitos. reorganize o armário  das lembranças, desobstrua as vias da vida. gavetas cheias de ilusão devem ser viradas para baixo. projetos não concretizados são lixo - não se dá, não se doa, substitui-se por outros: novos, reluzentes. tristezas jogadas pelo caminho são entulhos que atrapalham o tráfego de boas novas. precisam ser varridas, banidas, jogadas às águas correntes, para o nunca mais. sentimentos amargos consomem energia, sufocam alegrias. são como traças - roem sorrisos, deixam buracos por onde passam. remova com espátula os pensamentos infrutíferos, arranque-os pela raiz. esfrega tudo com palha de aço. dissolva marcas, cicatrizes, em água raz. hoje é dia de faxina. olhe ao redor. inspira, expira. mude tudo de lugar. abra espaço para o novo chegar.

8.8.11

caminho é alternativa. opção. caminho é estrada, pedra, areia, asfalto. é chão.

caminho tem aroma, cor, sol, amor. pode ter chuva, lágrima, dissabor. depende do dia, inclusive da companhia.

caminho tem túneis,  trechos escuros. flores e espinhos. caminho é inverno, verão. pode ser qualquer estação.

para frente, esquerda, para trás  ou direita: caminha-se. para o fundo do poço - pra lá também tem trilha.

caminho. caminhas. caminha ela. eles também. juntos ou separados, caminhamos nós.

cada qual traça sua linha. cada um segue em sua mão. caminha. mesmo quando sem direção.

3.8.11

Décadence avec Élégance

das lágrimas que represamos, das palavras que não pronunciamos, do riso que freamos, dos sorrisos que costuramos, das tristezas que disfarçamos, do coração que remendamos, do grito que abafamos, dos sapos que engolimos, da opinião que não revelamos, do eu que negamos.

dessa permissiva-maligna-tola é que nascem as síndromes-modernas-todas. em nome do respeito à falsa ética, moral, bons costumes e tal, deixamos de vomitar tudo aquilo que nos faz mal.

"politicamente corretos", fingindo que os maus são bons e que o bem é mal, prosseguimos doentes, à margem da realidade, fingindo felicidade, vestidos de hipocrisia, vivendo de mentirinha.

1.8.11

Meia Noite em Paris


demorei para assistir, mas essa demora teve lá suas vantagens. uma delas foi o receio de o filme sair de cartaz, o que aguçou ainda mais minha vontade de vê-lo, afinal, não teria a mesma graça se não fosse na telona.

a
lém da beleza incontestável da Cidade Luz e da genialidade de Woody Allen, o filme vale muito pelo passeio à Paris dos anos 20. para quem leu "Paris é uma Festa", de Ernest Hemingway, é inevitável não relacionar as duas obras, já que grandes figuras da época são personagens presentes em ambas: o casal Fitzgerald, T.S. Eliot, Gertrude Stein, além do próprio Hemingway. o enredo ainda traz à luz outros ilustres da mesma década, como: Pablo Picasso, Salvador Dalí (interpretado pelo  maravilhoso  Adrien Brody, de  "O Pianista"), Miró e Mark Twain.
um filme sobre o amor. amor por Paris, pelo passado, pelas artes. amor pela mulher que, sorrindo, aceita caminhar sob a chuva. um filme sobre quem sonha e busca, sobre quem não concorda em acomodar-se e é capaz de abrir mão de tudo para redescobrir-se num outro lugar.

da trilha sonora, ficou em meus ouvidos a melodiosa "Si Tu Vois Ma Mère", de Sidney Bechet.

“de onde eu venho, as pessoas medem a vida com colherinhas de cocaína.”
(paródia de um verso do poeta americano T.S. Eliot, que morou em Paris entre 1910 e 1911)

“tenho uma ideia de roteiro: pessoas não conseguem ir embora de um jantar
 simplesmente por que não lhes ocorre abrir a porta.”
(Gil, personagem principal do filme, tentando soprar a ideia de “Anjo Exterminador” para Luiz Buñuel)

27.7.11

Pelos Olhos da Íris

tête-à-tête, conversa franca. a Íris e ela. queria desabafar, estava triste. não ela, mas a Íris. e esta, que sempre desempenhara o papel de ver, parte dos olhos que era, agora se pôs a falar. e foi mais ou menos assim, até onde posso lembrar...

cabisbaixa, quase curvada, falou da falta de vida dentro daqueles olhos castanhos. dizia que a Pupila há tempos mantinha quase nula a luminosidade ali dentro. estava vendo o mundo apagado. pouco brilho, pouca alegria, quase nada. sentia falta do arco que levava seu nome porque, como ela, era feito de cores. nostálgica, chorava também a falta dos tempos ensolarados, da luz dourada que outrora aquecera seus dias. falante, sentiu-se no divã. abriu seu coração, pediu: - um pouco, um pouco só de emoção.

e sua interlocutora, que sempre fora tão cética com essas coisas de visão, mostrou-se receptiva e encarou o desabafo da Íris como uma confirmação: os olhos sempre revelam verdades, queira a gente ou não. 

21.7.11

Convite

venha. achegue-se. aconchegue-se.
a porta está aberta, o coração liberto.
o sol entra pelas janelas, a brisa sopra com leveza.
o jardim está florido, a alma lavada.
venha com humildade, alegria, suavidade.
chegue com a cara e a coragem,
mas deixe do lado de fora sapatos carregados de poeira,
vestígios de outras estações.
tristezas vividas, histórias mal resolvidas:
para estas, não tenho solução.
entre, feche a porta. 
achega-te. aconchega-te.
venha, mas venha por inteiro.
traga malas, corpo, imensidão.

18.7.11

Das Muitas Mortes

há uns dias, terminei de ler "À Espera da Neve em Havana", do cubano Carlos Eire. gostei de toda narrativa, mas os últimos capítulos não saem de minha cabeça desde que fechei aquele livro.

se não estou enganada, são os três últimos. ali, o autor - e também personagem principal do livro -, em alguns trechos, fala a respeito da morte. não de quando paramos de respirar e a vida chega ao final, mas daquelas mortes pelas quais passamos em vida: morte que nos enlaça nas mudanças bruscas de percurso, da advinda de perdas, renúncias, reviravoltas, desengaños. fala também de algumas verdades que precisam ser enterradas, caso contrário, daremos chance para que elas nos enterrem. e sobre esta, o autor diz:

"[...] sacrifico verdades dolorosas constantemente, sobretudo a meu respeito, e as enterro sem ler suas entranhas antes. é um modo de sobrevivência que aprendi em pleno curso, quando meu mundo foi reduzido a nada, pedaço por pedaço."

confesso que, vítima ou autora, já morri muitas vezes em vida. e sem querer ser pessimista, sei que morrerei algumas outras.

recomendo - o livro, obviamente. quanto às mortes, veja você se precisará passar por elas.                                                                         

"há muitas maneiras de morrer. só uma é definitiva, claro. mas antes que uma delas o derrube de vez, muitas outras acontecem, como ondas na praia."

"e percebo que já não sou mais o mesmo e nunca serei."

"e no dia em que deixei aquela casa, morri de novo. e fui enterrado um pouco mais fundo, dessa vez."

"a morte pode ser linda. e acordar é ainda mais lindo. mesmo quando  o mundo mudou. principalmente quando o mundo mudou."

14.7.11

Em paz, Com Certeza


caminho. a noite está morna, mas h
á trechos em que o ar gelado da vegetação penetra em meus poros. ondas de arrepio. frio que não é bem frio. sensação boa.

caminho. sessenta minutos. nós dois (que somos muitos) juntos: eu e meu pensamento. flashes. FF/RW. avanços e retrocessos. sinto-me leve e tranquila. acho que é a endorfina.

músculos e tendões. mente e coração. alongados. todos eles.

água-quente-corrente. alivia-relaxa-faxina. fogo que não é bem fogo. deixa marcas vermelhas no corpo. nuvens de vapor. fumaça. enlevo.

quarto escuro, tomado pelo silêncio. aconchego-me entre travesseiros, lençóis, edredom. fecho os olhos. mal me mexo. assim, espero o sono chegar. feliz, talvez. em paz, com certeza.  

1.7.11

Água

acalenta-me, Caetano, com tão linda e suave canção. 
faça-me viajar em sua doce melodia e traga-me o mel de sua voz aos ouvidos.





eu também vou ficar aqui torcendo. juro que vou.

28.6.11

Certezas

de tudo o que vai, um pouco sempre fica. e ficou. dentro de mim, restaram certezas. certeza de que nada é em vão ou por acaso. certeza de que aprendemos o tempo todo - com as pessoas, as circunstâncias, nós mesmos. certeza de que o amor nem sempre é sentido do mesmo jeito pelos dois lados. certeza de que a vida é uma caixinha de surpresas, e estas, nem sempre agradáveis. certeza de que as pessoas são diferentes do que a gente idealiza. certeza de que respeito é a base da convivência sadia e que sem verdade não há cumplicidade. certeza de que uma mesma situação pode ser interpretada de várias formas. certeza de que não há nada certo ou  absoluto. e, por fim, a certeza de que ninguém é de ninguém.

"sem rancor, sem saudade, sem tristeza. sem nenhum sentimento especial
a não ser a certeza de que, afinal, o tempo passou."
|Caio Fernando Abreu|