estou aqui numa sala fria, cercada por pessoas estranhas, cada qual voltada para seu mundo. fisionomias trancadas, seres isolados em meio aos semelhantes. este cenário entristece.
perco-me em pensamentos e alço vôo para um lugar tranquilo, onde posso ouvir os pássaros ao amanhecer. fecho os olhos e permito-me acreditar que é para mim que eles cantam, especialmente para mim.
saio da cama sem a interferência de um relógio. aquele que, diariamente, faz questão de me lembrar que está na hora de encarar o trânsito louco da metrópole onde vivo, inalar seu ar pesado e enfrentar o mau humor de pessoas que mal acordaram, mas já estão cansadas.
sento-me à mesa estrategicamente instalada sob uma janela que, embora não muito grande, tem tamanho suficiente para mostrar a vida lá fora. ah! essa visão enche-me de uma alegria pueril. como a vida pode ser leve!
caminho por uma estrada de terra, cercada por flores e muito verde. sinto o calor dos raios solares que me aquecem o corpo, mas principalmente o coração.
tenho o prazer de ver a magia do pôr do sol no horizonte e de sentir a brisa fresca do fim de tarde.
ouço a melodia do rio corrente e das pedras sendo levadas por suas águas cristalinas. águas que seguem seu curso, arrastando, além das pedras, os empecilhos, depositando-os nas curvas de seu leito, deixando-os para trás.
deito-me ao chegar a noite. o corpo está morto de cansaço, mas a alma está viva e radiante. numa cama com lençóis brancos e travesseiros macios, durmo com a janela aberta, depois de assistir o espetáculo de um céu carregado de estrelas que brilham naturalmente, sem necessidade de qualquer artifício. estrelas que me fazem suspirar de contentamento e convidam-me a revelar os mais secretos sonhos, temores e prazeres.
abro os olhos (que na verdade nem foram fechados) e deparo-me com a realidade dura, nua e crua: as pessoas continuam ali, pasmem, com seus semblantes carregados. mas tudo certo, sinto-me bem agora. pude nesses poucos minutos em que tirei os pés do chão, fazer uma grande e deliciosa viagem.